quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Acima das nuvens cinzas

- Ah, já entendi...
- O que?
- Dá aqui o dedo.
O homem pegou o polegar de Nonô e emplacou-o na almofada negra, cheia de tinta escura, enfiando-o depois no papel.
- Pronto! Agora é só esperar que a justiça lhe seja feita.
Nonô ficara na cela imunda, cheia de escatologias submersas e subliminares, intrínsecas àquele mundo que ele chamava de Babilônia Perdida. O polegar borrado com a tinta negra, formando o desenho de sua identidade, onde ele não sabia se jaz sua personalidade, ou seus descaminhos.
Como saber do que não se tem idéia? Ao lado, Abreu lhe perturbava com a gaita, na frente Jurubeba sussurrava e choramingava o leite derramado, o cubículo lhe apetecia o estômago por vezes sacudido pela fome e, depois, vinha-lhe a desinteria escorrer-lhe pelas entranhas.
- Homem, para com essa porcaria.
O velho parava e colocava a gaita no chão, olhando-a como se desejasse os seios fartos de uma mulher jovem.
Há muitos anos, Nonô pensava se não seria melhor ter voltado para a cidade em que nascera, mas de que adiantaria estar lá, se nada de melhor acontecia. Mas, e ali, Nonô? O que ocorreria de bom naquele lugar, que não empregos miseráveis e a falsa verdade de que o céu estava perto?
As migalhas de esperanças que pouco lhe restavam o vento zarpara com as mesmas, deixando-o imerso naquele vislumbre sorumbático de mazelas e disparates. Nem bem amanhecia o dia, ele corria para o buraco feito na parede chapiscada, a qual chamava de janela, e caía no desvaneio de pensar que tudo aquilo era uma espécie de sonho maldito, que aquela realidade logo se dissiparia e ele, Nonô, homem de meia idade, crioulo nascido em Barbacena, encontraria seu paraíso repleto de harmonias e cachaça da boa.
E Nonô se ria por inteiro, gargalhava solto, coçando a barriga imensa, onde guardava meio litro de desilusão e vinte quilos de solidão.

Ivna Alba

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