quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Dos desesperos e afagos

Ela o olhou com caras e bocas, remexendo lépida os quadris estreitos, como se houvesse uma cadência submetida às batidinhas suaves da caixa de fósforos, umidecida pelo gelo derretido do copo de cerveja.
Nem bem o som começou, estourou-lhe no corpo a sensação brusca de torpor, ao passo que se envolvia nos braços do homem cujo rosto sustentava uma espécie de ruga embotada - estrias cortantes, dilacerando o gélido, vago e suave constante disparate da sensação delicada de se estar ali, sozinho e zonzo.
Entraram mudos, saíram assanhados, despejaram na sarjeta meia dose de uísque barato, encharcaram o corpo de meio litro de suor amargurado do ano retrasado e caíram na esquina.
Ela, para a direita.
Ele, gauche.

Ivna Alba

sábado, 5 de dezembro de 2009

Da poesia para um amor

Caro rapaz,

Eu te peço um minuto de tua vida para ler estas poucas palavras.
Embora não pareça, eu sou aquela de modos frágeis, embaixo de uma Jericó. E, embaixo do meu travesseiro eu guardo muitos sonhos. Na verdade, eu os escondo, porque eu tenho vergonha.
Envergonho-me de sentir a face ruborizada, de ser feminina, de ser elogiada - muito embora eu goste, como toda boa moça, de ouvir elogios.
Não! Eu não tenho prospecções de formar uma família feliz, porém eu tenho desejo de construir minha vida junto a alguém, apesar de não saber se isso será possível.
Na maior parte do tempo, caro rapaz, eu sou apressada, ansiosa, dispersa, mas eu tenho muito apreço, amor e gentileza para dar, assim como desejo receber em troca.
Como eu não sou nenhum Mello Neto, para construir poesias, desfaço dos versos para criar o inverso: a prosa contínua de um moto contínuo, de um enlace que desenlace a face da minha pessoa em amor e lírica.

Ivna Alba

Esboço para a passagem do tempo

O tempo havia descrito uma parábola completa de seis meses e dezenove dias completos e ininterruptos.
Catarine levantara cedo, como todas as manhãs daquele prazo, e sentiu-se neutra. Os braços apoiados na grande janela do apartamento, as mechas louras escorrendo pelos ombros, o raio do primeiro sol desenhando-lhe o perfil na parede branca, o olhar cansado e sonolento, o frio interrompendo a respiração morna. Olhou o travesseiro e pensou em refugiar os pensamentos de modorra nele, mas nada lhe impelia a tal consequência.
Em pouco tempo a moça havia amadurecido substancialmente, e partiu do que se poderia chamar, de um estrondo de alegrias fugazes, para o cerne das decisões sensatas. Perfurou as barreiras, desenlaçou o futuro com as próprias mãos, atingiu as dezenas de soldados do batalhão das adversidades e abriu as trincheiras do campo inimigo da vida sozinha, sem o auxílio de nada, nem ninguém.
O que fazer agora? Seguir adiante - e sozinha, mais uma vez - o caminho que projetara para seus dias.
Ela perdera os contatos primordiais, tão bem como os fez. Quando o telefone chama e não se obtem resposta, dificilmente se tentará novamente. Assim acontecera, de forma sucessiva, paulatina e, após um tempo, frequente.
O sol se fazia em círculo, deixara o aspecto radial.
Um bilhete. Um nexo. Uma foto. Catarine nunca saíra bem nas fotos, gostava de tirá-las, contudo na maioria das vezes elas tremulavam; como o peixe que balançava a água calma do aquário de pedregulhos coloridos.
- Alfinete, hora do desayuno.
Uma hora ela se divertia no espanhol, outra no inglês, outra no alemão, outra no francês, mas preferia o bom e velho italiano.
Na mesa, uma porção de papéis espalhados, rabiscados e no chão da sala a carta que relera na noite anterior. A carta do pai:
- Catarine, um dia você vai se sentir só. Extremamente só. Mas, não se perturbe por isso, assim como eu fiz a escolha de um eremita, o tempo lhe dará a oportunidade de se achar nas caricaturas e sátiras dos segundos desvalidos. Assim como eu, você terá duas escolhas: seu esboço e sua obra-prima. Cabe a você saber fazer a hora da passagem de uma para outra.

Ivna Alba