quarta-feira, 10 de junho de 2009

Catamira

Esquálida!
Assim poderia ser descrita Catamira.
Definhando todo o dia mais um pouco, em todos os sentidos. Catamira era um gênero que não poderia ser chamado de mulher, não parecia haver sexo em sua pele, nem em sua vida, muito menos em seus genitais.
Criatura de quarenta anos e poucos, morava em um quitinete de cozinha, quarto e um resto de sala, onde não recebia visitas e o fogão estava quase sempre desligado. No banheiro de azulejos brancos e com lodo entre o rejuntes, acumulavam-se os resquícios de vísceras do trabalho enfadonho e demente.
Débil enfermidade de pulsações: em seu ventre eram as únicas oportunidades de se sentir viva, vez em quando, depois do almoço.
No mofo a pouco e monótona conversa do fim de dia. A solidão enternecendo o colchão furado e umedecido pelas goteiras, nos dias de inverno.
Catamira não sabia o significado de muitas coisas e pouco relutava com isso - talvez por desistência, ou por insistência em não querer se atormentar por algo que estivesse há tão longíquos tempos luz.
Mas, naquela noite fora diferente. Verdadeiramente, há muitas semanas a diversidade se categorizava-se por um abscesso recorrente e intragável na parte interna da coxa magra, quase rente à virilha. Escuro e purulento. Aquele não desistira tão fácil da mulher.
As pernas com os pêlos grudados pela água e sabão, e Catamira tentando espremer o caroço inflamado. Na desistência, melhor esfregar o resto do corpo, tocando e retocando as costelas, os seios murchos, as pernas, joelhos, braços, cotovelos, costas, as nâdegas e o ânus cheio de pentelhos.
A água escorre e Catamira sente que o resto do resto se esvai pelo ralo, e junto com ele, ela.
E o abscesso que não se transfigurava, apenas aumentava com a indiferença do mundo.
Uma mosca que vai e vem, uma vontade de nada dançava nas pupilas e ingressava na íris, circundando uma apoteose de vagar, em seu absurdo e pungente tormento.
"Que fazer, Catamira? Quem é você, Catamira? O que é você, Catamira?"
O espelho minúsculo de bordas verde-limão era embaçado com o hálito morno. Mas, pouco importava se olhar, se ao menos ela pudesse se ver livre daquele tumor, estaria satisfeita com a vida.
Na cabeça, uns poucos versos da modinha que ouvira antes de chegar em casa, a luz fraca do quarto/banheiro, os dejetos de lembranças do ano anterior e o abscesso ardendo-lhe entre as coxas.
"Pensar, é coisa para quem sabe, Catamira. Você é só mais uma criatura. É a massa, Catamira!"

Ivna Alba

Um comentário:

Lorena Travassos disse...

xuxu, tua escrita tem uma caracteristica só tua. Isso de encontrar o proprio estilo é massa.
:)
Acho que ainda to meio perdida no meu.
beijo!