sábado, 22 de março de 2008

A cria de Saturno

Eram duras e cruas as dores do parto, a mulher sofria, gemia, berrava estridentemente, do seu rosto, o suor escorria em gotas grossas. O seu vestido ensopado pregava na pele, que subia e descia, de acordo com a sua respiração cansada. Era meio-dia, e o Sol estava a pino. Encostada em um eucalipto e sozinha no mundo, aquela senhora de quarenta anos sentia as dores aumentando, a cada minuto passado.

Na sua idade, a gravidez é de risco, ainda mais ali, naquele fim de mundo, onde só existia ela e a casa. Aquela criança não era bem vinda. Fruto de um estupro seria rejeitada pela mãe a vida inteira. Ela odiava o que carregava em seu ventre, para ela, de suas entranhas nasceria um demônio, um bicho qualquer, que depois de posto fora, faria questão de enterrar. Enquanto pensava tudo aquilo, fazia força, e depois de um tempo, ouviu um choro curto.

Lassa, pegou uma pedra e cortou o cordão umbilical, que era o único laço que os ligava. Pegou o pequeno estorvo, lembrou-se da cara animalesca do homem que a violentara e teve um asco. Em seguida, foi carregando a criança pelo pescoço. Ainda estava cansada, mas conseguiria chegar a sua casa e acabar com aquele pesadelo. O menino chorava baixo, era magro e tinha feições estranhas, em outras palavras, era uma ínfima aberração da natureza. Cabeça enorme, tronco curto, braços grossos e muito pequenos. Pernas finas e demasiadamente longas, seus olhos eram grandes e estufados; sua boca, carnuda e pequena, seu nariz muito achatado, sua cor assemelhava-se a um roxo. Era horroroso, talvez por receber tanto ódio materno.

A mulher chegou a sua casa, lavou a criança, tomou água e começou a afiar uma faca. Pegou a tábua de cortar alimentos e pôs o menino em cima. Terminou de afiar o instrumento e golpeou sem dó, a cabeça do menino, que esperneava lentamente por comida. O sangue jorrou rápido, e em poucos instantes, a bancada da cozinha ficou banhada de um vermelho carnal. Ela continuou a fatiar cada parte do seu próprio filho, carne da sua carne e sangue do seu sangue. Terminada a operação, pôs em uma panela os pedaços, deixou cozinhar e foi dormir sem o peso na consciência, que carregava antes.

Quando acordou, já era noite, e ela sentiu o cheiro gostoso de carne cozida. Levantou, lavou-se e foi jantar. Abrindo a panela, um cheiro estonteante subiu às narinas e de sua boca abriu-se um sorriso. Pegou uma coxa, sentou e começou a saborear o jantar suculento, entretanto, seu ódio pela criança transformou-se em um veneno. Então, ela sentiu repentinamente sua respiração trancar, sua boca amargar, suas vísceras explodirem, seu coração dilatar e, em segundos, ela debateu-se, caindo estática no chão frio da sua casa, no fim do mundo.

Ivna Alba

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