terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A menina que comprava livros...


I PARTE


Aos dois anos, ao ir com o pai à livraria, balbuciou:
- Ubiladeilo abalelo!
O pai, surpreso com aquele novo dialeto, olhou para um livro, para onde ela apontara.
- Ah! Lindo, não filha?!?
- Ubiladeilo abalelo!
Uma capa azul, com um quadrado branco ao centro, e um desenho terrível de um brigadeiro amarelo, contariam a fantástica saga de um brigadeiro, que junto a beijinhos e tortilhas, tocariam o terror, em uma festa infantil. Tudo porque não queriam ser digeridos e jogados dentro do sanitário, que logo desembocaria no oceano mais perto.
O pai, puxou a filha, carinhosamente, para a prateleira de Goya, Caravaggio, Rembrandt, Manet, Turner, Modigliani, Gauguin e sacou da mais alta um volume grosso de Portinari. Sentou-se à pequena mesa e começou a folhear a obra. Sorrateiramente sua filha se desprende daquelas pinturas e corre à seção infantil e volta, falando em um tom sério:
- Ubiladeilo abalelo! Ubiladeilo abalelo! Ubiladeilo abalelo! Ubiladeilo abalelo!
Neste exato momento, o pai se conscientizou da importância daquele brigadeiro amarelo, para a menina e decidiu levar, se divertindo horrores depois com a estória daquele alimento arruaceiro, mas ao mesmo tempo, muito consciente de sua existência e de como era bom viver, mesmo que fosse para ser um brigadeiro.
Do doce, a pequena passou para as estórias do Lobato, Quintana, entortou para o Rodrigues, Stendhal, correu aos braços da Mulher de Trinta Anos, alçou voo com o minuano em O tempo e o vento, arrepiou-se com a descrição infernal de Dante, detalhou a obra de Câmara, sucumbiu aos lamentos de autores não conhecidos, e quando observou estava farta de livros.
O dono da livraria a moça como a melhor cliente, em 30 anos de negócio.
- Trabalhar com cultura não é fácil, né minha querida? Você sabe do que estou falando, não é mesmo, minha querida?
Aquele tom de "minha querida" lhe soava falso.
- Queria saber se, em alguma semana do mês, eu não pusesse meus pés aqui. Ele colocaria imediatamente o "minha querida" em um baú de couro, todo carcomido de cupins e outros insetos medonhos, onde deve guardar todos os "meus queridos e minhas queridas" de clientes que não puderam comprar seus livros, em um fatídico dia de setembro. Ou por que o trânsito estivesse um caos completo, ou por que o dinheiro não desse para o mais novo volume do Roth.
E assim, ela ia divagando por todo o trajeto - caixa, casa - deitava na cama fofa, de almofadas brancas, com bordados de tulipas vermelhas e revirava o mundo daquelas letras, abaixo.



Ivna Alba

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