segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Um homem sem nome II

Um homem sem nome acorda em meio à madruga muda.
Ele não precisa ter nome para seguir o modelo das máquinas.
São quatro da manhã. Não lembra do que sonhou.
Sensação terrível esta!
Uma sensação de que uma parte íntima e secreta fora amputada. Lembra apenas que fumava no sonho. Olha o maço na beirada do criado-mudo - um companheiro inseparável há cinco anos, desde que decidiu cortar a relação.
Convenções da sociedade, normas para uma vida saudável e a certeza de ter o mesmo código de barras. Você não é mais um produto danificado e pode passar no Humanometro.
Talvez, aquele alcatrão lhe fizesse menos mal que a fumaça dos carros, na Consolação às oito da manhã.
Sufocado, pensa em tudo e não conclui nada. Pensa em fumar, treme, sua, geme e toma água - outro paliativo para suportar a ansiedade. Debruça-se na janela - um vento pelo amor - mas, nada...
E se chegar atrasado? E se o despertador não tocar? E se o pagamento não cair? E se não conseguir voltar a dormir? E se não render no escritório? E se não bater as metas? E se tiver um infarto? E se não vir o dia raiar? E se nunca mais se casar? E se não procriar? E se não voltar a amar? E se a sua vida...?
Outro paliativo para dormir. A técnica do "E se...?", do macro para o micro. Um micro mundo que se lembrava ao entrar no ônibus. Pensava no mar e do lado de fora uma onda de buzinas não lhe deixava pescar o sono que escapulira às quatro da manhã.

Ivna Alba

2 comentários:

Raul Drewnick disse...

Ivna, você anda tão tocada pela poesia. Tão raro isso, numa cidade que nos engole com sua fumaça. Sinta-se saudavelmente invejada.

Raul Drewnick disse...

Ivna, voltou a guardar o ouro na arca? Quantas pitangueiras é preciso percorrer até a segunda macieira à esquerda, quantos passos é necessário dar depois, até o rio? E, depois de atravessá-lo ali onde cinco gentis peixes de pura prata saltam como marcos, quantas pedras remover até achar aquela embaixo da qual estão os dobrões, os colares e as pulseiras?