quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Cantalice

Aquela ponte elevadiça sugando seu corpo para o fundo do túnel, derramando aquele anseio, aquela vontade de potência, aquela onipresença, aquela espera por um não adeus. Para ela, era fato: vivemos para morrer. Ao menos, já havia decidido para que estavam todos, inclusive ela, no mundo. Ao menos uma resposta sã.

Cantalice subiu o quarto e último degrau do dia, adentrando apartamento, jogando as bolsas e remédios no canto escuro da sala, não só por mais uma noite, mas por toda a vida. Chegou à porta do quarto, abriu-a... Gemidos.

Os olhos embotados de lassidão, a respiração sôfrega, o desespero árduo de saber que na manhã seguinte, aquela penumbra continuaria a mesma. “Não se parta em duas, não se parta em duas”. Repetia baixinho, quase um sussurro, percebido apenas por sua consciência. Mas, como não se partir? Como não se antever em conjuntura frenética e ansiosa, diante tal quadro de voluntariedade e necessidade?

Não se deve quebrar os pontos! Não se deve entregar os pontos! Permanecer imóvel, estática e esperançosa. Era sua ação e coação durante os últimos dez anos.

Tudo começou na tarde de setembro, do dia vinte e cinco, quando irrompeu um grito e de lá, até aquela noite, sua vida tornara-se um brado único e violentado. Ela, justo ela, que sempre fora de risos e abraços, carinhos e afagos, deixara-se submergir em tamanha claustrofobia, que paulatinamente, fora se removendo em areia movediça, onde mergulhara os pés, pernas, tronco e sentia o ar passando por suas vias com complicações.

Ah, o amor! O que não fazemos pelo amor desmedido e censurado? Que forma de amar incondicional a prendera em passos furtivos e sombras? Toda a noite era a mesma forma de movimentos: sala, quarto, banheiro, cozinha, geladeira, álcool, copo, fumaça, lágrimas, faca, garfo, pratos, água, sabão, esponja, escorredor, banheiro, água, sabonete, toalha, cama e lágrimas sufocadas.

Da porta do seu quarto: gemidos!


Ivna Alba

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