sábado, 7 de novembro de 2009

Indícios do beijo roubado

Como se não bastassem os vinte anos, sem ninguém ao redor, Catarina inventou de recolher em seu baú de músicas e histórias sofridas, dezenas e milhões de timbres em modo menor. Espalhou-os todos no chão de sua sala, com piso de taco envernizado há pouco tempo e precipitou-se em lágrimas e gargalhadas convulsivas, relembrando de cada minuto e segundo auspicioso da vida.
Como se já não coubesse dentro de si, tamanha reconstrução de vida, casa, amigos, família, emprego, mas principalmente, o refazer dela mesma. Tudo foi somado, calculado, refletido e bem pensado.
Não! Catarina nunca faria algo do tipo. Pensado? Mas, naquela tarde de 17 de julho, ela fez. Planejou as páginas em branco de sua mais nova obra, apontou todos os grafites e esferográficas, desembolsou meia dúzia de taças de vinho, acendeu o charuto do pai - cubano legítimo - e pôs tudo para fora: seios, pernas, coxas, ombros, costas, pélvis, pênis, mãos, dedos, pés, joelhos, pescoços, nucas, até chegar à boca. Ao lado desta, um sinal da candura e disfarce de suas intenções.
Ela queria, intensamente! Mas, onde havia tal coragem para pegar-lhe o tesouro escondido no recanto daqueles lábios pequenos e finos?
Afastou-se andando taciturna, enquanto a Nara dizia sussurrando levemente:
- Eu amei. E amei, ai de mim, muito mais, do que devia amar!

Ivna Alba

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