quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Modigliani

"Quando descobrir tua alma, pintarei teus olhos!"
Não é necessário falar sobre esta pintura (Retrato de Jeanne Hébuterne (1898 -1920), Common-Law Wife of Amedeo Modigliani. 1918. Oil on canvas. 92 x 60 cm. Private collection), a obra por si só já debate e dialoga com o espectador, que assiste seu fulgor e esplêndida concepção.
Amedeo Modigliani, italiano e judeu. Viveu intensamente seus 36 anos, nas artes, bebidas e drogas (ópio). Para a época, traços difíceis de se compreender, de gênio rebelde e orgulhoso, não se submetia às pinturas encomendadas e se dedicou durante muito tempo há escultura, também.
A sua série de nus se iniciaram por volta de 1914 e tempo depois, ao expôr em galeria, teve que ser retirada por "afetar a moral".
Teve uma filha com Jeanne Hébuterne - esposa e amante - a quem pintou inúmeras telas.
O filme, Modigliani, dirigido por Mick Davis - 2004 - possui bela fotografia, para quem gosta de diálogos o filme os tem, para quem gosta de uma perspectiva mais silenciosa para se observar, a película também possui, entretanto, para mim faltou uma consistência maior em como o artista desenvolvia seus traços.
Enfim, é uma boa pedida para se assistir embaixo do edredon, uma garrafa de "cabernet", no friozinho... A companhia fica por conta de cada um, não é mesmo?
Melhor do que isso, só lendo a vida e estudando a obra deste pintor magnífico!

Ivna Alba

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Esquivo


Ele tinha olhos furtivos! Lindos, porém furtivos. Nada que o calor da tarde não os fizesse mais estagnados e taciturnos. Quase um compasso de balada, suas piscadelas se tornaram. E nem bem anoitecia, corriam pelas calçadas e metálicas avenidas. Voltavam, à vida, aqueles olhos.
- Não há necessidade de se manter estático. Rotativa! Rotativa! Rotativa! Rotativa!
Gritava e saía em disparada, atravessando carros e multidões. Quem se atreveria a segurá-lo? Pelo braço? Nunca! Pelas mãos? Jamais! Absolutamente pelos olhos: apertadinhos, de cor negra e fugidia; impossível ver sua pupila em tão absorto ébano.
- Destrua aquelas flores que te dei, Carla!
- Por quê?
- Por que não eram para ti!
- E para quem, então?
A gargalhada frouxa em meio ao rush, completamente insano e desvairado.
- Dá tua mão!
- Não!
- Só para atravessar esse trecho da rua... Movimentada.
- Vou para o outro lado.
- Mas...
- A primavera acabou!
Seguiu o leste, entrou no primeiro bar que achou, sem olhar para trás, e a rua se fez imensa, gigante, avassaladora, catastrófica, uma terrível quimera que a engoliu, tragou, mastigou, triturou e jogou, por entre os dentes, a chave que levava sempre consigo.
Olhos furtivos e negros boiando na límpida e tranquila aparência do líquido, no copo.

Ivna Alba

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

A menina que comprava livros...


I PARTE


Aos dois anos, ao ir com o pai à livraria, balbuciou:
- Ubiladeilo abalelo!
O pai, surpreso com aquele novo dialeto, olhou para um livro, para onde ela apontara.
- Ah! Lindo, não filha?!?
- Ubiladeilo abalelo!
Uma capa azul, com um quadrado branco ao centro, e um desenho terrível de um brigadeiro amarelo, contariam a fantástica saga de um brigadeiro, que junto a beijinhos e tortilhas, tocariam o terror, em uma festa infantil. Tudo porque não queriam ser digeridos e jogados dentro do sanitário, que logo desembocaria no oceano mais perto.
O pai, puxou a filha, carinhosamente, para a prateleira de Goya, Caravaggio, Rembrandt, Manet, Turner, Modigliani, Gauguin e sacou da mais alta um volume grosso de Portinari. Sentou-se à pequena mesa e começou a folhear a obra. Sorrateiramente sua filha se desprende daquelas pinturas e corre à seção infantil e volta, falando em um tom sério:
- Ubiladeilo abalelo! Ubiladeilo abalelo! Ubiladeilo abalelo! Ubiladeilo abalelo!
Neste exato momento, o pai se conscientizou da importância daquele brigadeiro amarelo, para a menina e decidiu levar, se divertindo horrores depois com a estória daquele alimento arruaceiro, mas ao mesmo tempo, muito consciente de sua existência e de como era bom viver, mesmo que fosse para ser um brigadeiro.
Do doce, a pequena passou para as estórias do Lobato, Quintana, entortou para o Rodrigues, Stendhal, correu aos braços da Mulher de Trinta Anos, alçou voo com o minuano em O tempo e o vento, arrepiou-se com a descrição infernal de Dante, detalhou a obra de Câmara, sucumbiu aos lamentos de autores não conhecidos, e quando observou estava farta de livros.
O dono da livraria a moça como a melhor cliente, em 30 anos de negócio.
- Trabalhar com cultura não é fácil, né minha querida? Você sabe do que estou falando, não é mesmo, minha querida?
Aquele tom de "minha querida" lhe soava falso.
- Queria saber se, em alguma semana do mês, eu não pusesse meus pés aqui. Ele colocaria imediatamente o "minha querida" em um baú de couro, todo carcomido de cupins e outros insetos medonhos, onde deve guardar todos os "meus queridos e minhas queridas" de clientes que não puderam comprar seus livros, em um fatídico dia de setembro. Ou por que o trânsito estivesse um caos completo, ou por que o dinheiro não desse para o mais novo volume do Roth.
E assim, ela ia divagando por todo o trajeto - caixa, casa - deitava na cama fofa, de almofadas brancas, com bordados de tulipas vermelhas e revirava o mundo daquelas letras, abaixo.



Ivna Alba

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Dueto de separação

Ela parou e não lhe disse palavras. Abriu a porta do quarto como se o aguardasse falar “Espera”, mas não houve nenhum sussurro proferido pela voz dele. Apenas um vazio seguindo-a, enquanto andava com a mala pronta e o vinco de preocupação na testa. Era posta uma chama que ela acreditava nunca ser extinta. Ouvia os passos dele lentos a seguir os seus e o silêncio que se interpusera naquele pequeno espaço físico.



Ivna Alba