segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Da impotência

Da mais alta torre de saúde, vislumbro a decadência obscena pela qual passa minha mãe.
Se a Aids foi a doença da década de 80/90, certamente o câncer é desta e das próximas. Alimentação? Estresse? Poluição? Cigarro? Bebida? A única coisa que da qual aquela mulher é culpada é de ter se preocupado com a família e ter feito de tudo para vê-la bem, feliz e unida.
Bem, nada disso aconteceu. Fato!
O mísero grão de uma poeira fina e desbotada foi o que o amor da minha vida se tornou, perto da grandeza que resplandecia em gargalhadas, mandos e desmandos.
Perto de completar os seus 40, certa vez me disse:
- Quando eu fizer 40 anos é para me chamar de "senhora". O exemplo, vinha a seguir:
"Ivna!"
"Senhora..."
Eu tinha apenas quatro anos e fiquei sendo dela e ela minha até os cinco. Idade terrível, se não fosse todo o conhecimento que adquiri na escola. Sempre gostei de estudar, mas nunca de ir àquele colégio terrível de freiras, cheio de meninas ardilosas e peçonhentas. Verdadeiramente, tenho orgulho de ser mulher, mas escolho a dedo as que desejo que façam parte do meu círculo de amizades. Conto nos dedos das mãos.
Mas, ela, aquela senhora, sempre esteve lá e sem perceber muitas vezes confessei minhas insatisfações e rebeldias com o modo de pensar dos que me rodeavam.
Um sopro de vida feliz é o que gostaria de ter em meus pulmões para soprar-lhe e dizer: Viva, mas viva só mais um pouco, estando acompanhada de saúde e dignidade.
O difícil não é se preparar para o fim, é saber que se tem o encontro com a morte.

Ivna Alba

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Um homem sem nome II

Um homem sem nome acorda em meio à madruga muda.
Ele não precisa ter nome para seguir o modelo das máquinas.
São quatro da manhã. Não lembra do que sonhou.
Sensação terrível esta!
Uma sensação de que uma parte íntima e secreta fora amputada. Lembra apenas que fumava no sonho. Olha o maço na beirada do criado-mudo - um companheiro inseparável há cinco anos, desde que decidiu cortar a relação.
Convenções da sociedade, normas para uma vida saudável e a certeza de ter o mesmo código de barras. Você não é mais um produto danificado e pode passar no Humanometro.
Talvez, aquele alcatrão lhe fizesse menos mal que a fumaça dos carros, na Consolação às oito da manhã.
Sufocado, pensa em tudo e não conclui nada. Pensa em fumar, treme, sua, geme e toma água - outro paliativo para suportar a ansiedade. Debruça-se na janela - um vento pelo amor - mas, nada...
E se chegar atrasado? E se o despertador não tocar? E se o pagamento não cair? E se não conseguir voltar a dormir? E se não render no escritório? E se não bater as metas? E se tiver um infarto? E se não vir o dia raiar? E se nunca mais se casar? E se não procriar? E se não voltar a amar? E se a sua vida...?
Outro paliativo para dormir. A técnica do "E se...?", do macro para o micro. Um micro mundo que se lembrava ao entrar no ônibus. Pensava no mar e do lado de fora uma onda de buzinas não lhe deixava pescar o sono que escapulira às quatro da manhã.

Ivna Alba

Amor

Um dia ponto cheio, em outro ponto atrás!

Ivna Alba

A garoa

Cristalina.
Fria e fina. Tão breve sinto tua chegada e já sorrio meio de lado, como mocinha ingênua que recebe uma flor de jardim do primeiro namorado.
Eis que te vejo nua e crua, avessa e apaixonada. Alvoraçada, mas sempre serena, quando sabes que estou ao teu encalço.
Minha alma é tua, teu cerne é meu!
Escolhi tua carne e sopro, como minha última morada.

Ivna Alba

À cidade de São Paulo, sempre amante minha, sempre devota tua!

quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Não é do mais, mas é do mesmo

Faz dias que estou querendo o mesmo gosto, o mesmo toque, o mesmo sangue, o mesmo cheiro, o mesmo banho, a mesma música, o mesmo samba, o mesmo grito, o mesmo choro, o mesmo molho, a mesma rua, a mesma pele nua e tua.
Dizem, as más línguas, que isso se chama saudade.

Ivna Alba

quarta-feira, 17 de julho de 2013

Carlos e Sofia

Uma tarde dessas em que se olha como o tempo caminha lento, reencontrei Carlos e Sofia. Há um tempo tentava resolver seus problemas, mas abandonei. "Não sou mais a solução para vocês!" E dei-lhes as costas. Ficaram mudos, sumiram, escafederam-se em um mundo totalmente em branco para mim.
E nesse mesmo tempo, que foi lento, reencontrei-os cálidos, afundados em um ponta esquecida, mas não menos viva. "Carlos e Sofia merecem um final, que não seja feliz, extraordinário, mas que tenham suas soluções, fascinações e um fim digno da vida de dois personagens que adormeceram, amadureceram e brotaram implacáveis!

Ivna Alba

terça-feira, 2 de julho de 2013

Desatamos nós

Um sopro teu esconde nossos desesperos.
Uma partida tua recobra em minhas histórias que nascemos sós e tão sós nos despediremos. Para que criamos nós se serão desatados?
- É o medo, Dalma... É por medo.
A mulher pegou a trouxa com cinco pares de vestidos encardidos, pôs nos ombros e disse rangendo os dentes:
- Aos diabos, teu medo, vagabundo!
Desta vez, Dalma não tinha a fúria nos olhos, muito menos largara a porta aberta.

Ivna Alba

segunda-feira, 1 de julho de 2013

Chica Bregídia

Cada ser humano carrega nas mãos o dom de realizar ações perfeitas e incorrigíveis. Vale escolher qual linha delas seguir.
Existia na cidade de Ourives Velho, uma senhorinha negra, esquálida e de olhos sonolentos, lenço nos cabelos e pés dez para as duas, caminhando em ritmo de valsa. Quando tinha cinco anos, gritaram em meio à fazenda:
- Semo livres!
A mãe chorou com ela ao colo na cozinha e ninguém soube o que fazer dali em diante. A liberdade cobra o preço de se ter e do que se fazer com ela, quando esta lhe é tomada desde sempre.
Chica aprendeu tudo que se poderia aprender, mas foi ao peso do ferro de passar que calejou as linhas das mãos finas e frias. O gosto pelo calor do fogo, o fogo na brasa, a brasa no carvão. As tramas saltavam e os linhos e fazendas ganhavam brilho e nova vida ao toque do ferro de Chica Bregídia.
Não queriam saber de léguas, seus clientes.
De posses, ou não, ela cobrava de acordo com os dobrões que cada um tinha no bolso; o importante era trilhar o objetivo que escolhera com perfeição.
Não existia alguém na vida que engomasse melhor que ela e de nada mais precisava na vida, a não ser o fogo da lenha, fogo que escondeu do coração e se transformou em texturas ardentes.
Enfim, um dia a linha de Bregídia se apagou do carvão.

Ivna Alba

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Sessão de terapia

Trocamos as fechaduras de nossas almas por ferrolhos enferrujados que não fecham e só descobrem a linha tênue do que sou eu e do que é você. No fim, não restou o nós, apenas os nós enlinhados e os abraços que se desapegam e transpiram bolor... No final restam as paredes brancas e o quadro de uma moça na janela.

Ivna Alba