domingo, 21 de junho de 2009

Antes de ontem...

Na sessão de terapia:
- Como foi sua infância?
Breve pausa. Iniciava-se uma série de palavras pronunciadas com conexão, mas balbuciadas, até desatar no mais profundo chôro.
- Minha infância foi muito feliz. Acho que não houve época mais feliz em toda minha vida.
E dentro do âmago era consciencioso que não se deve chorar por algo alegre, contudo a vaga lembrança de que se soube assim, por alguns anos, trazia aos olhos uma repleta gama de reminiscências líquidas.
Gotejavam não apenas as proezas de subir na árvore que se dizia Pé de Manga Baixinho, como liquifaziam as tormentas e as angústias de ver o antes de ontem ficar tão atrás e não se tornar o amanhã possível de seus dias.
As acerolas colhidas pela manhã em seu xale neblina, a foto sentada no colo da mãe que parecia acordar naquela hora, as pancadas da massa do pão na mesa pela tardinha, as brincadeiras com a terra, com as plantas e os ternos e eternos carinhos da mãe - inexplicável e afável sintoma de recordações felizes e admiráveis.
Passou por um momento em sua cabeça, ao entrar no corredor branco e vazio, que se sentira amada apenas na infância. E nesse breve rato sucumbiu à realidade de não ter na lembrança outra pessoa que não sua mãe, ao lhe ver, tomar nos braços, sorrir e lhe amar.
Os outros rostos?!?
Alguns nas cadeiras, estáticos, pétreos e enevoados.
O pior, não era saber-se infeliz, mas ter aquele nó de berreiro preso na garganta e reprimir-se diante de tudo e todos.

Ivna Alba

2 comentários:

Lorena Travassos disse...

xuxu, que lindo o texto.
As vezes isso me ocorre, não o fato de ser feliz na infância, mas o de que, vez por outra, me pego chorando de tanto segurar o tanto.
Beijos =*

Sérgio disse...

Belo texto, Ivna. Além de estar bem escrito, tem um tom poético que é universal. Linda frase que se segue: "As acerolas colhidas pela manhã em seu xale neblina.."

Valeu, garota prodígio.

Bjs!