sexta-feira, 28 de março de 2008

A pergunta que não quer calar

Porque se tem a impressão dessa vida ser uma constante e árdua bebida amarga? Porque se possui esse desgosto, de que os dias são sempre assim: desmoronando em pedras e perdas diante dos ombros?
E quando se vê tudo isso, observa-se que é chegada a hora de dizer adeus ao ato final. Constata-se que já foram dados tantos acenos de último momento. Olhe para a platéia - "Nossos espectadores já foram?" O diretor responderá que sim, com uma voz grave e baixa, quase sussurrada. "Os outros atores também já se deram por vencidos." - continuará a responder o que seus olhos não querem crer e você prefere não ouvir.
E em meio a gestos imersos em sombrias dúvidas, em tristes certezas, a palavras e frases incognoscíveis, você questionará a meia voz:
- O que eu fiz com meu espetáculo?

Ivna Alba

sábado, 22 de março de 2008

A cria de Saturno

Eram duras e cruas as dores do parto, a mulher sofria, gemia, berrava estridentemente, do seu rosto, o suor escorria em gotas grossas. O seu vestido ensopado pregava na pele, que subia e descia, de acordo com a sua respiração cansada. Era meio-dia, e o Sol estava a pino. Encostada em um eucalipto e sozinha no mundo, aquela senhora de quarenta anos sentia as dores aumentando, a cada minuto passado.

Na sua idade, a gravidez é de risco, ainda mais ali, naquele fim de mundo, onde só existia ela e a casa. Aquela criança não era bem vinda. Fruto de um estupro seria rejeitada pela mãe a vida inteira. Ela odiava o que carregava em seu ventre, para ela, de suas entranhas nasceria um demônio, um bicho qualquer, que depois de posto fora, faria questão de enterrar. Enquanto pensava tudo aquilo, fazia força, e depois de um tempo, ouviu um choro curto.

Lassa, pegou uma pedra e cortou o cordão umbilical, que era o único laço que os ligava. Pegou o pequeno estorvo, lembrou-se da cara animalesca do homem que a violentara e teve um asco. Em seguida, foi carregando a criança pelo pescoço. Ainda estava cansada, mas conseguiria chegar a sua casa e acabar com aquele pesadelo. O menino chorava baixo, era magro e tinha feições estranhas, em outras palavras, era uma ínfima aberração da natureza. Cabeça enorme, tronco curto, braços grossos e muito pequenos. Pernas finas e demasiadamente longas, seus olhos eram grandes e estufados; sua boca, carnuda e pequena, seu nariz muito achatado, sua cor assemelhava-se a um roxo. Era horroroso, talvez por receber tanto ódio materno.

A mulher chegou a sua casa, lavou a criança, tomou água e começou a afiar uma faca. Pegou a tábua de cortar alimentos e pôs o menino em cima. Terminou de afiar o instrumento e golpeou sem dó, a cabeça do menino, que esperneava lentamente por comida. O sangue jorrou rápido, e em poucos instantes, a bancada da cozinha ficou banhada de um vermelho carnal. Ela continuou a fatiar cada parte do seu próprio filho, carne da sua carne e sangue do seu sangue. Terminada a operação, pôs em uma panela os pedaços, deixou cozinhar e foi dormir sem o peso na consciência, que carregava antes.

Quando acordou, já era noite, e ela sentiu o cheiro gostoso de carne cozida. Levantou, lavou-se e foi jantar. Abrindo a panela, um cheiro estonteante subiu às narinas e de sua boca abriu-se um sorriso. Pegou uma coxa, sentou e começou a saborear o jantar suculento, entretanto, seu ódio pela criança transformou-se em um veneno. Então, ela sentiu repentinamente sua respiração trancar, sua boca amargar, suas vísceras explodirem, seu coração dilatar e, em segundos, ela debateu-se, caindo estática no chão frio da sua casa, no fim do mundo.

Ivna Alba

quinta-feira, 20 de março de 2008

CLASSIFICADOS


O IP de hoje não é mais como o de antigamente...

Sabe aquela juventude de ontem, em que você viveu? Pois é, a de hoje não é mais a mesma. Sabe o que os seus filhos vão desejar? Pois então, nem eu saberei responder a esta indagação. Onde se ganha tempo com aparatos tecnológicos, perde-se também a personalidade e se põe no lugar dela uma enorme gama de idéias que só se pode comprar. E a cada novo segundo estas idéias serão ultrapassadas por um imenso conjunto de novos artigos de consumo e as informações serão vomitadas em sua mesa.
Mas aí mora o perigo! Seu garfo não é do último modelo e por isso você não poderá cortar a carne. Para esta você também necessitará da faca modelo 2.0 Version Plus. Ah! Seu dinheiro foi para pagar a conta de luz? Então, infelizmente não poderemos lhe enviar o tutorial da colher, que seria a ideal para recolher e triturar o conteúdo já ultrapassado da alface.
Se sua boca estiver com o creme dental atualizado, isso será um ponto positivo, porque só assim o vírus da corrosão não lhe entrará no organismo, afetando o download do arroz diuturno do seu trabalho.
Já parou para observar o seu office hoje? Então, certamente detectou que seus amigos só estão aparecendo offline. Isso tudo nada mais é uma amostra do que virá a ser a juventude de hoje, mais tarde, e um pequeno teatro do absurdo que implica a quantidade de informações que o mundo tenta consumir, atualmente.

Ivna Alba